Enfrente seus pesadelos. Dizia meu avô. Deite novamente e sonhe o mesmo sonho, mas agora sob o seu controle. Demorei a fazer isso, mas consegui um dia. E alegre fui contar, que dessa vez, conseguira subir as escadas até o fim. Sonhos que se repetem. Escadas longas que terminam em salas escuras, onde sombras espreitam. Nunca antes havia chegado até o fim delas, acordando sempre, o coração descompassado. Respiração ofegante. Até o dia que ele me ensinou o segredo. Sonhe o mesmo sonho. Simples. E com ele tudo sempre parecera tão simples.
Uma figura pequena. Nem um pouco frágil, no entanto. Sonhava os seus próprios sonhos e foi isso que o fizera abandonar tudo e mudar para a pequena casa no meio do nada. Uma selva de matos e árvores. Feliz. Fora ali que ele crescera e foi ali que escolheu passar seus últimos dias. Embora, sequer suspeitássemos que fossem tão poucos.
Hoje tive um pesadelo. Daqueles terríveis, que só a sua voz sabia acalmar. E pude te ouvir no meu sonho. Mandando que eu o enfrentasse. Meus medos, tantos. Que precisava de você aqui, para espantar de vez todos os fantasmas. O fantasma da sua ausência, que é o pior de todos.
Ainda não consegui pisar no sítio novamente. Embora sonhe com ele com freqüência. E nos sonhos, posso te ver, envolvido em invenções mirabolantes, que tanto atiçavam minha imaginação: a máquina de lavar feita de um barril de chope, o ventilador de motor de moto, que andava pela casa. Um gênio caseiro. Meu mágico familiar.
Nunca senti tanta impotência quanto o dia em que você se foi. Eu não tinha tido a chance de te abraçar uma última vez. De novamente ouvir você me dizendo que pesadelos acabam com a entrada da luz. De dizer que te amava. Acho que nunca disse.
Mas essa noite, vou sonhar o mesmo sonho, onde te encontro no sítio, e irei enfrentar os meus fantasmas, e dizer o que deveria ter dito, que eu te amo muito e que você foi o melhor avô que eu poderia ter tido.