Conto integrante do livro "A Versão da Madrasta" |
Toda sua crença na humanidade e no poder infinito da sua mente caem por terra, quando sua sexta cama inflável fura. Principalmente se é inverno e você acorda com o gelo polar do chão subindo por suas costas toda noite, quando ela desinfla.
Por que, como o furo é pequeno demais para achá-lo e tampá-lo, e grande demais para ir perdendo ar após a cama ser inflada, metade da noite ainda temos uma pseudo cama para chamar de nossa, a outra metade é se revirando no chão duro, buscando uma melhor posição.
Contar como fomos parar numa cama inflável digna de acampamentos de verão, é longa e meio tediosa, resta saber que a cama foi o último dos móveis a abandonar o navio. O primeiro foi a mesa, que quebrou no inicio da maior das crises, um pouco antes do desemprego do marido, talvez pressentindo os dias que viriam.
Como um motim, moveis e eletrodomésticos foram se quebrando um a um, sobrando apenas o básico para sobrevivência. E, a cama, que nos abandonou num estalar continuo, até não conseguir manter-se mais na sua função maior, que é a de permitir uma noite de sono tranquila.
Constatado que não haveria mais cama, surgiu a dúvida: o que fazer? Quando o dinheiro não dá para comprar cama nova, sequer um colchão de quinta, resta a opção, colchonetes ou cama inflável? O preço definiu a escolha e foi assim, que começou toda uma dinastia de camas infláveis em nossa casa.
Dormir numa cama inflável é uma arte. Primeiro é preciso liberar todo o seu lado infantil - a sensação é quase a mesma de brincar de pula-pula.
Segundo: uma parceria com seu companheiro é fundamental, afinal, um outro brinquedo bastante similar a uma cama inflável é uma gangorra. Se um lado desce, o outro sobe e se o lado que descer foi mais abrupto, o lado que sobe pode acabar no chão, numa cena digna da maior das videos-cacetadas.
Terceiro, e não menos importante, mantenha crianças e/ou animais distantes da mesma, por que por mais que a propaganda mostre um trator passando por cima da cama e um prego sendo empurrado e ela lá, impávida e colossal - isto não é verdade, ela fura com um arrastar da sua unha mal-cortada do dedão do pé. Ou com uma vareta de plástico sendo espetada nela...
O melhor de dormir numa cama inflável é transar nela (nela, e não com ela, faz favor, uma cama inflável, não é uma boneca inflável!). Sério, se nunca experimentou e anda a fim de dar uma incrementada na sua vida sexual, experimente. Não importa a posição: papai e mamãe ou canguru perneta, a flexibilidade da cama te transforma numa ginasta, e o resultado final, hummm, só experimentando para saber. Se fosse da empresa de marketing do produto, nada de tratores ou pregos.
Na propaganda, mostraria um casal exercitando o KamaSutra - tenho certeza de que venderia muito mais, do que mostrar um casal lendo, enquanto flutuam numa piscina - pensando bem, a cama flutuando numa piscina, enquanto um casal manda ver, seria bem interessante também.
O pior dela, sem dúvida, é o acordar. E se ela furar e você acordar com os pulmões recebendo o ar gelado do chão, é pior ainda. E, acordar numa cama inflável furada, faz invariavelmente, você avaliar sua vida.
Na verdade, ao abrir os olhos, o primeiro pensamento é: - Putz, que merda andei fazendo da minha vida? - similar ao acordar após um porre-de-vinho-sangue-de-boi. Toda sua vida passa diante dos seus olhos, todas as suas escolhas erradas... A diferença é que se todos esses pensamentos surgiram oriundos de uma noite mal dormida numa cama inflável, você apenas respira fundo e levanta para encarar o dia. Se for fruto do vinho vagabundo, levantar e seguir em frente, é impossível, pelo menos nos próximos três dias.
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