2 de jan. de 2017

Crônicas da Desconstrução - Amor só é bom se doer?

Amor só é bom se doer. Cantava assim Elis, em um passado não tão remoto. Durante anos reproduzi essa canção: mentalmente, vocalmente, sempre sentindo toda a dor necessária para viver o amor. Amor só é bom se doer. Na maturidade, percebi todas as armadilhas da canção. Não. Amor se dói, não é bom! Amor que dói, não é amor! Alias, qualquer relação afetiva (ou profissional) que doa, não é boa. 

A gente nasce e cresce, acreditando que para ser feliz, tem que sofrer. A mocinha da novela chora do inicio ao último capítulo, quando finalmente alcança a redenção e tem um final feliz. Ou não, afinal, o que será mesmo que acontece após o último capítulo? 

Para alcançar o paraíso, é preciso passar por todas as dores e provas possíveis para ser merecedor dessa graça. Todas as religiões pregam isso. E a gente vai, sofrendo, levando bordoada, esperando o final feliz prometido. 

Mas, o sofrimento não enobrece. O sofrimento endurece. Muito sofrimento pode criar monstros, seres insensíveis, já tão calejados, que sequer enxergam a dor do outro. Tão veementemente convictos que todos os seres têm que sofrer para serem merecedores de qualquer coisa. Sofrimento excessivo gera angústias, depressões, insensibilidade. 

A gente aprende muito mais com incentivos, estímulos, vocalização de apoios e afetos, do que na bordoada. Já chegamos à conclusão que palmada não educa, e aplicamos tal ensinamento em nossos filhos. Por que então, continuamos a crer que se apanhamos da vida, seremos nós, os educados? Não. 

A dor não é caminho para o amor, nem para a construção de seres melhores. O amor sim. Palavras e atitudes que elevem a nossa auto-estima nos transformam. Aprimoram nossa vontade de sermos cada vez melhores e mais que tudo, estimulam a repassar amor ao próximo. 

Todo aprendizado é assim, nossa tendência é reproduzir o que recebemos, se temos amor, repassamos amor, se temos sofrimento, é isso que transmitimos de volta. 

Quantas vezes ouço pessoas verbalizando a outras, que acabaram de contar, ou passar por tragédias pessoais, pequenas ou imensas, que elas são fortes. Que tudo aquilo vai servir para que ela fique mais madura. Não! Não, e não! Ninguém quer ouvir isso em um momento de dor. O que querem é amor, é compreensão. E que segurem sua mão, dêem um abraço forte. Sintam-se protegidas, amparadas. Ninguém quer ser feliz no futuro, quando o que sangra vem hoje. 

 Mas, o que se faz com o sofrimento afinal, se todos nós estamos expostos a ele o tempo todo? Que a gente aprenda que ele é uma realidade, mas não um aprendizado. Que vai passar, como tudo passa nessa vida, mas não deve deixar raízes. 

As lembranças boas, as boas vivências afetivas, essas sim, tem que serem regadas e alimentadas diariamente. Um momento que se tire para tomar um café com amigos, um telefonema de surpresa para aquela pessoa que há tempos você não fala, mas sente tanta falta. Se perdoar, se curtir, tome um banho de mar, faça uma pequena(ou grande) ação boa para você mesmo ou para outros. Elogie, aprenda a ser elogiado. Agrados, pequenos mimos. Dissolva a culpa dos erros em pequenas assertivas. Seja você quem errou, seja o outro.

Perceba que ao mudar a linha de ação, comportamentos também serão modificados, os seus e o dos outros. Isso alimenta e edifica. E, sem dúvida, é isso que nos transformará em pessoas melhores.

2 comentários:

Bel disse...

"Que a gente aprenda que ele é uma realidade, mas não um aprendizado. Que vai passar, como tudo passa nessa vida, mas não deve deixar raízes."
Ah, se a gente conseguisse... :'(

Rogério Souza disse...

Uma coisa é certa. Não querer viver por medo de errar é tão perigoso quanto querer viver todas as coisas com a desculpa de que todas as experiências são válidas.