13 de jul. de 2015

Muito prazer, sou Patricia Daltro, Escritora.

Quando nasci, um anjo torto, desses que vivem nas sombras, não me disse: - vai, Patricia, ser gauche na vida. Mas, provavelmente soprou em meus ouvidos a loucura maior do que ser esquerda. A da escrita. E, desde que peguei no lápis, ou antes, já que verbalizava histórias imensas antes mesmo de lidar com o bê-a-bá, eu já dizia quem era: sou escritora. 

Era o que dizia que seria quando crescesse. E tudo mais passaria ao largo. E para a menina que se insinuava em mim, ser escritora era publicar um livro. Dali, um mundo mágico se abriria e estaria tatuado em carne viva, àquela em que eu finalmente me tornara. 

Claro, que os adultos diziam, cientes da realidade dura que me cercava: Ora com pena - que menina sonhadora. Ora, com seriedade: escritora, onde já se viu?! Crianças não querem ser escritoras. Crianças são professoras, médicas, enfermeiras, nunca escritoras. Crianças que querem ser escritoras, acabam em sanatórios ou na rua...

Entendi tudo isso ao ler o Feijão e o Sonho - mas ainda assim, não se desfez em mim, o anseio de que a escrita me levasse mais longe que o personagem do livro. Eu seria escritora.

E a escrita em mim, nascia furiosamente nessa época. Escrevia sobre tudo, em todos os momentos. Na sala de aula, na mesa de um bar, em casa, insone. Meus dedos criavam calos sobre calos. Páginas de cadernos eram preenchidas com histórias tantas que dariam livros. 

E deram. Na juventude, consegui o primeiro passo do sonho, publiquei um livro em coletânea; Mas, ainda não era o que queria. Queria meu livro, que tivesse só o meu nome na capa. Então começou a maratona de enviar originais para editoras. Todas recusaram. Foi quando a realidade, começou a me tocar com seus dedos longos e gelados. Eu não me encaixava nos padrões. De todas as editoras que mandei. Minha escrita não tinha padrão comercial - resposta dada pelas revistas para onde mandei minhas crônicas.

Mas ainda assim, escrevia. Era a única coisa que realmente sabia e queria fazer. Nessa fase da vida, o mundo andava escuro e sombrio para mim, já entrava no processo da doença e nem sabia. Fui saber, um dia, na terapia. Que me recomendou: escreve, que essa é sua cura.

Mas, ai a gente cresce. os "Nãos" vão ficando mais dolorosos. E de repente você está trabalhando, e de repente, você está casada, com filho e a escrita foi virando um daqueles sonhos da infância, quase como ser astronauta, ou alienígena; E você finalmente entende o livro " O Feijão e o Sonho".

Ao longo dos anos, fiz duas descobertas fantásticas para a menina que ainda trazia em mim: publicar livro era fácil, por coletânea, por você mesma - A Vida Sem Manual, tai para provar isso. E o que a menina que eu era/sou queria de verdade, não era publicar seus livros, mas era ser reconhecida como escritora. Porque escritora, ela já era, ou melhor sempre tinha sido. 

E o engraçado, é que desde que comecei a fazer artesanato, a escritora em mim, foi se aquietando. O que é uma idiotice, afinal, são duas formas de arte distintas, mas não excludentes. Eu sou uma escritora e artesã. Embora poucas pessoas saibam disso. A maioria me conhece por aquilo que produzo em tecido, e muitas vezes, sinto um certo assombro quando digo que também escrevo. Ou melhor, que escrevo e também faço artesanato.

Nessas horas lembro-me de Cora Coralina, poetisa e escritora que amo e que embora escrevesse desde os 14 anos e participasse de vários movimentos literários, só teve seu primeiro livro publicado aos 70 anos e o reconhecimento da sua escrita só vir à público graças a Drummond - o tal que cito acima, também tocado por um anjo torto. Desde os sessenta anos, ela começara a fazer doces para vender e garantir sua sobrevivência e de seus filhos, porém seus doces ficaram tão famosos, que vinha gente de tudo que é canto comprar. 

Dai, um dia, após a publicação do livro e do elogio de Drummond, quando, Cora já era uma escritora conhecida, um jornalista perguntou se ela se considerava mais doceira do que escritora. e a resposta dela, bem ao estilo Coralina de ser, ecoa em mim, desde que vi essa entrevista. Ela se dizia mais doceira, porque a escrita alimentava a alma, mas os doces, eram o estômago que alimentavam. 

Demorei a entender que o estômago em questão, não eram dos clientes, mas dela e dos filhos. Que escrever alimentava-lhe os sonhos, preenchia o vazio, dava prazer a alma. Mas, sem o alimento no prato, a alma também morre...

Eu sou uma escritora que faz artesanato e não o contrário. Alimento minha alma todos os dias, quando consigo sentar e colocar no papel, no celular, no computador, parte daquilo que me define, que são minhas letras. Mas, acima de tudo, garanto ao meu estômago e dos meus, com aquilo que faço n máquina de costura. Acima de tudo, faço arte, seja com as palavras ou com os tecidos. Mas, aquela quem sou, aquilo pelo qual gostaria de ser eternizada, é por aquilo que escrevo. A escrita é o que sou, é o que me define, é o que me faz sofrer, é o que me traz alegria.


Há alguns anos, vinha me perdendo nessa luta sobre qual era minha essência. Acho que hoje me reencontrei com a menina que deixei lá atrás em algum momento. E ela que tem me carregado pela mão e me feito entender que eu nunca deixei, ou vou deixar de ser, a contadora de histórias. Eu escrevo porque respiro. E sem respirar, não se vive.


Livro lançado:


Estou concorrendo com um conto "A Gangue dos Rins" ao concurso #BrasilemProsa pela Amazon.com  - um dos critérios é a votação e a venda do conto. É baratinho R$ 1,99  e você ainda pode me ler e descobrir que além de arte nos tecidos, também tramo bem nas letras.