Sim, a casa está bagunçada. Poeira e teia de aranha recobrem os móveis. Os fantasmas se esgueiram pelos corredores, olhos estranhando a súbita luz que chega da porta entreaberta.
Estou de volta, ensaio avisar. Mas, para quem? Já que na casa vazia e escura, tudo que restou foram fragmentos esparsos de lembranças.
Vejo as xícaras sobre a mesa, resquício de uma época remota. Copos, pratos, tudo como um dia antes fora. Agora, nada. Nem lembranças.
Não reconheço mais a vizinhança. Todos novos. Antigos afetos, desafetos, ou apenas passantes que insinuavam bom-dias em sorrisos amarelos, todos mortos. Ou ausentes. Acho que a ausência é um tipo de morte. Talvez quem tenha morrido tenha sido eu...
Meus passos deixam marcas no chão coberto de saudades. Passo a passo circulo pela casa, ensaio aberturas de cortinas, encontro janelas lacradas.
Um recomeço é sempre um momento decisivo. A porta entreaberta ainda me convida a sair, voltar aquilo que não sei se ainda sou. Ou recomeçar. De novo, de novo, de novo... sempre o novo me confundindo a mente.
Melhor fechar a porta, penso. Sair por ela e encerrar de vez o que um dia aqui foi festejado. Em casa, deixar a saudade invadir a alma através de recortes do passado.
Não consigo, quero entrar, limpar a poeira, espanar as teias, recolher a louça e abrir a janela. Quero fundamentalmente abrir janelas e deixar que o sol invada a casa. Expulse os fantasmas para o sótão. Caminhar de cabeça erguida, reconquistar os estranhos que se aproximam e me espiam pela fresta de luz da porta entreaberta.
Voltar. Sem promessas de longos dias ausentes, sem sorrisos falsos em porta-retratos. Encarar os espelhos e descobrir fios brancos que me pertencem. Por mais que negue.
A hora da fuga se encerrou no momento que abri a porta. O novo momento, começa agora.
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