2ª Noite
Madalena acorda. Está deitada
em uma cama que não é a sua. Percorre com os olhos o quarto, não é o seu. Uma
mulher está em pé na beira da cama. Tem nas mãos uma prancheta. Hospital! Como
foi que chegou ali? Tenta falar, mas da sua garganta soa um estranho sibilar.
- Então, acordou? - a mulher
pergunta, aproximando-se.
- Madalena afirma com a
cabeça. A mulher coloca um termômetro em sua boca.
- Esta dormindo há três dias.
Três dias? O que
estava acontecendo? - Tenta se sentar. Mas a
mulher a empurra de volta para a cama.
- Não é recomendável
esforço.Você está muito fraca. Chegou aqui praticamente desidratada.
Enquanto fala, a mulher
(enfermeira?) lhe dá um liquido de cor esquisita para beber. Depois a ampara
com a mão e coloca um copo d’água em seus lábios. A água refresca-lhe a boca.
Quer falar com a mulher, mas esta já está de pé na porta.
Sente seu corpo
gradativamente se anestesiar. Não quer dormir. Luta bravamente, mas seus olhos
pesam. Ao longe, ouve alguém chamando seu nome.
Está novamente no corredor.
As mãos a empurrando gentilmente para frente. A escuridão a envolve de novo.
Ouve sussurros, sente o visgo no chão. Quer gritar, mas não consegue. Sua voz
é um fio que morre na traquéia. Caminha
às cegas, deixando-se conduzir pelas mãos. Sabe o que a espera no fim do
corredor... mas está fraca e tonta. O vento chega com seu odor fétido, o ar
fica denso. Agora não vê mais descampado. Está sobre um monte. Vê as luzes de
alguma cidade lá embaixo. Aos poucos seus olhos se acostuma a escuridão e ela
pode ver vultos, milhares deles que erguem as mãos e clamam por ajuda. Quando
olha para seus pés, vê que o monte é feito de ossos, muitos e muitos, o sangue
escorrendo entre eles.
O homem chega em silêncio por
trás. Ela só o percebe, quando ele a toca nos ombros.
- Vê? Isso tudo será seu.
Ela vira e o encara. Os olhos
dele são como breu. Sente-se sugada para dentro deles. O mal. Vê homens matando
outros homens. Mulheres com facas na mão e sede de sangue nos olhos. Crianças
de olhares angelicais que gargalham sobre corpos inanimados... por todo o lado
que olhe só vê morte. Dor. Violência. Lágrimas...
Ele a segura por um dos
braços. Acaricia lugar onde antes ele mordera. Desce seus lábios novamente
sobre seu antebraço. De novo crava os dentes. Dessa vez ela não sente dor. Um
estranho formigamento apenas. O sangue quente escorre por sobre a sua pele. Ele
levanta o rosto. As presas manchadas de sangue.
- Só mais uma noite Madalena
e você será minha. Para sempre...
Ela grita. Sua voz ecoando no
quarto desconhecido. Uma luz se acende. Vê a silhueta de uma mulher.
- Você está bem? - a
enfermeira pergunta, tirando sua temperatura.
- Água, por favor...
A mulher encosta um copo em
seus lábios ressecados. Uma dor suave percorre sua espinha.
- Beba devagar, seus lábios
estão muitos feridos.
- Por favor... onde estou?
- Em um hospital.
- Como vim para aqui?
- Estranho... você chegou
sozinha. Tinha muita febre. Estava desidratada. Não é bom ficar falando. Tente
dormir.
- Não... ele vai voltar!
- Ele?! Ora, você teve um
pesadelo. Acho melhor lhe dar um calmante.
- Não! Por favor, não me
deixe dormir!!!!
A mulher injeta alguma coisa
no frasco de soro preso em seu braço. O sono chega suavemente. Seu corpo sendo
tragado por uma agradável sensação de paz.
3ª Noite
Ela acorda. Um silêncio
absoluto fere seus tímpanos. Sua respiração ofegante é o único som que chega
aos seus ouvidos. Um calor invade seu corpo, joga os lençóis para fora e tenta
levantar-se. Sente-se muito fraca, o quarto rodando ao seu redor. Mesmo assim,
levanta-se, apoiando na cama.
Caminha pelo quarto escuro,
tateando até encontrar a porta. Abre-a. O corredor do hospital é longo e mal
iluminado. Chama por alguém. O silêncio lhe responde. Ninguém. Caminha,
escorando-se pelas paredes. Vira para a direita na direção do balcão da
recepção. Os aparelhos ligados lhe transmitem uma sensação de ausência temporária. Um pouco
mais à frente, uma porta aberta, chama a sua atenção.
- Enfermeira... - Madalena chama. No fundo do quarto, uma
mulher está de costas, observando a janela.
Aparentemente esta não a
ouve. Madalena entra no quarto, tornado a chamar a mulher. Ouve o barulho da
porta fechando atrás de si. Um arrepio percorre sua espinha.
- Enfermeira? - chama de novo, tentando controlar o pânico
que se insinua em sua mente.
- Madalena?...
Então o quarto subitamente
escurece, ou será uma vertigem? Madalena sente o chão fugindo de seus pés.
Caminha vagarosamente para trás, o olhar preso na mulher, que lentamente se
vira.
Uma onda de pavor a invade.
Sente o grito se avolumando na garganta. O rosto que a fita, um rosto
estranhamente conhecido, tem com corte profundo que vai da têmpora direita, até
o maxilar. Um ferimento semelhante no abdome, o sangue escorrendo dos cortes. O
braço, que a mulher agora estende em sua direção, está coberto de lacerações
diversas.
- Mamãe... - Madalena sussurra. Caminhando na direção da
mulher. Sua mãe... ela a abraça, chorando em seus braços. Desajeitadamente, ela
tenta estancar o sangue.
- Eu sabia que você não iria nos abandonar... - murmura a
mãe. - seu pai... seu pai está lá dentro com ele, você precisa salvá-lo.
- Eu não posso... eu não posso...
Sua mãe a fita, um olhar de
profundo desapontamento e dor. Ela sente o coração se apertar. Sabe o que irá
ver, se entrar na sala onde está seu pai... o olhar que a mãe continua lançando
em sua direção faz seu corpo estremecer. Reúne então o máximo de coragem que
possui, e caminha na direção da porta. Com um gesto decidido, torce a maçaneta.
A porta se abre lentamente, silenciosamente. Ela entra, não ela, mas uma
adolescente, não mais de quinze anos. Veste uma camisola de algodão. Sua mente
invadida por lembranças que ela se esforçara por enterrar o mais profundamente
possível: sua mãe está caída em uma estranha posição sobre o azulejo, uma poça
de sangue escorre em direção ao ralo. Mais à frente, ela vê o pai. Sobre ele,
um homem. A criatura de seus pesadelos. Ela realmente o conhecia. Como pudera
se esquecer?- pensa, recriminando-se. Como?
O homem a fita. Ela corre de
volta à porta. Tenta abri-la, a maçaneta escorregando nas suas mãos molhadas de
suor. Ouve os passos dele se aproximando. Esmurra a porta agora, grita por
socorro. A sombra do homem projeta-se sobre ela. Quando a segura, com apenas
uma das mãos, ela grita e esperneia, debatendo-se desesperadamente.
Madalena pode ver o rosto do
homem, pode ver as presas salientes no canto da boca. Sua lógica grita-lhe a
impossibilidade da existência de semelhante ser, mas os dentes rasgando-lhe a
pele fina do pescoço é bastante real.
Sua mente gira em um
turbilhão de sensações e terror. Fragmentos de razão ainda insistem em
manifestar-se. Mas o homem a suga, numa velocidade aterrorizante... a
realidade, tal como um dia ela ousou acreditar, é um porto longe, muito
longe...
Hospital
Já é dia agora. A luz penetra
por entre as frestas da persiana. Madalena acorda. Sente-se um pouco melhor.
Com algum esforço consegue se sentar na cama. A porta do quarto se abre e a
silhueta de um homem destaca-se.
- Que bom que acordou. - o homem se aproxima, é um senhor de
meia-idade, com longos cabelos brancos presos em um rabo de cavalo. - e então?
Como estamos?
- O que aconteceu? - ela
pergunta. Já não sabe mais se este é apenas um pesadelo ou não. A realidade
agora é um fardo difícil de suportar.
O médico senta-se em uma
cadeira na beira da cama. Anota algo no prontuário.
- Você estava com uma virose
um pouco mais violenta do que as habituais. Ficou uma semana com uma febre
bastante alta, intercalando fases de delírio e consciência. Mas, ao que parece,
já está melhor. Quero recomendar alguns exames.
Tem alguma coisa estranha no
seu sangue. Não posso dizer se é sério. Somente depois dos exames feitos,
conversaremos melhor. Certo?
Madalena afirma com a cabeça.
O pesadelo acabara. Os pés finalmente tocaram o chão.
3 comentários:
Adoro contos de vampiros, creio que essa tal imortalidade me seduza mais do que posso compreender, sou aficcionada na eternidade das coisas. Estou adorando acompanhar essa semana halloween.
Muita Luz e Paz!
Abraços
Tá bom esse conto, hein? Eu tô aqui, toda tensa com a historia de hoje! Cada dia melhor, mais suspense...
Bjs
Patrícia,
Esse negócio de suspense em doses homeopáticas está me deixando angustiada. Quero o desfecho, rs.
Beijos e parabéns, está ótimo!
Postar um comentário