5 de ago. de 2010

A Descoberta

por Patricia Daltro

- Eu já sei de tudo. – ele afirma, olhando fixo para a esposa. Que quase engasga com o cafezinho.

- Sabe de tudo, o quê, Homem de Deus!?

- Não adianta ficar ai disfarçando. Eu sei que vocês estão juntos! – enquanto fala, caminha nervosamente até o outro lado da sala, aonde pega um pesado vaso de cerâmica.

- Claudionor, larga essa vaso! E me explica o que está acontecendo. – Por via das dúvidas, ela resolve se levantar e tentar chegar perto do telefone, por que fora esquecer o celular no quarto?

- Eu, junto, com quem?

- Você sabe bem do que tou falando! Você e todos os outros estão mancomunados!

- Eles? Amorzinho, você quer uma maracujina? Um chá de camomila? Olha, eu faço rapidinho!

- Vocês se achavam muito espertos, mas ontem... ontem eu descobri tudo!

A esposa nessa hora, já não tem mais dúvida, era caso de internação. O pior é que de maluco não aliviam dívidas, e eles estavam bem encrencados financeiramente. Ela desempregada, ai, ai...

- Claudionor, meu amor, você está muito nervoso, é alguma coisa na empresa?

Ele agora examina o vaso meticulosamente, de repente, brande o vaso no ar, apontando para a esposa, que se encolhe perto da porta.

- Aqui está a câmera! Pelo menos uma delas, eu sabia! Era por isso que você não queria que eu me desfizesse do vaso, não era?

- Clau, esse vaso foi a tia Adelaide que deu, sabe que ela sempre pergunta por ele, quando vem aqui. PelamordeDeus não me quebra isso, senão aquela velha vai me encher o saco!

- Tia Adelaide! tia Adelaide é o escambau! Eu sei bem que isso é coisa da emissora!

- Emissora, Claudionor? – não restava a menor dúvida, era caso de internação.

A esposa choraminga, pensando em como explicar pros filhos a loucura do pai... Ele não poderia ter morrido, no lugar de enlouquecer? Ser viúva de marido vivo é pior do que ter enterrado um!

- Agora eu sei que nada disso é real, Que eu sou um personagem de ficção, de um seriado qualquer...
Larga o vaso sobre a mesa, e cambaleia até o sofá, onde desaba.

- Todas as coisas que aconteceram... Tudo obra da cabeça de um roteiristazinho qualquer de uma série cômica, Lindalva! – Gesticula nervoso – se fosse pelo menos uma série dramática! Um documentário... Melhor seria que fosse um filme, super-produção hollywoodiana, mas não! Tinha que ser de uma série cômica, e ainda por cima, nacional!

- Olha só, algumas séries cômicas nacionais são boas... – ela começa, mas é interrompida pelo choro agudo do marido.

- Eu devia ter desconfiado, devia... Ninguém ganha um microondas cheio de baratas francesinhas de presente de casamento! Você lembra disso?!

- E como eu iria esquecer?! Foram necessárias três detetizações para aquelas malditas sumirem daqui de casa! Mas, o que isso tem a ver?

- Teve também aquele dia que perdi o cartão no banco?! Eu tinha ido buscar o cartão e a gerente perdeu ele na hora em que ia me entregar! Nãaaao, isso não é coisa de realidade, nada! É coisa de seriado... e eu vou lhe falar uma coisa, Lindalva, coisa de seriado ruim!

- Mas... mas

- E o assalto?! Como você explica o assalto!

- Muita gente é assaltada...

- Por travestis?! Lindalva, você já leu em algum jornal sobre uma gang de travecos que assaltam transeuntes?

- Na verdade, não né?

- Eu tô lhe falando mulher! É tudo ficção! E você? Não adianta ficar ai, com essa cara! Eu sei bem que você faz parte do esquema! Sua... sua... sua atriz! Foram tantos os sinais, e eu burro, não via... Que mulher que chora por que queimou um assado? Fala a verdade, agora mulher, você fingia, não é? Todas as vezes, Linda? Nesses anos todos de casamento, teve alguma vez que você não fingiu?

- Claudionor, pelamodedeus, eu vou lhe pedir, para parar, se for alguma brincadeira. Você está me assustando!

- E nossos filhos?! – ele levanta bruscamente, caminhando até a estante, onde pega uma foto onde estão os três filhos! - Todos eles são atores?! Nenhum deles é meu filho de verdade? ! O Junim não! O Junim tem que ser meu filho! Ele é igualzinho ao meu pai. – ele cai no chão de joelhos, as mãos melodramaticamente erguidas, em súplica, em direção a esposa – meus pais?! Eles... eles também são atores? A empresa! Adalberto, meu chefe! Dona Josefa, da faxina... tudo uma farsa....

- A gente já ganhou um prêmio...

- Heim?! – ele para de chorar e a olha. Lindalva sai de perto da parede, senta na poltrona.

- Pode pegar um cigarro para mim? Terceira gaveta a esquerda.

- Você fuma?

- Só nos intervalos das gravações.

- Então... então?! – Claudionor abre a gaveta e é visível o susto ao se deparar com o maço. Meio em transe, entrega para a esposa, que pega um cigarro, acende e numa cruzada de pernas, continua:

- É, você descobriu tudo. Você é um personagem de ficção, eu sou atriz, todos ao seu redor são atores, até o Junim...

- Até o Junim?! Quem diria...

- Pois é, mas a série é boa, já ganhou prêmios, como eu ia dizendo...

- Prêmios? Mais de um?

- Quatro, para ser mais especifica. Direção, Roteiro adaptado, melhor ator e melhor atriz coadjuvante. Foi o único prêmio que ganhei até hoje, mas já fui indicada várias vezes.

- Melhor ator? Eu ganhei um prêmio?!

- É, foi por aquele episódio do médico... Que você tentou matar o cara!

Claudionor senta no braço da poltrona, pega um cigarro do maço, acende, dá uma tragada e uma tossida, sacode a cabeça... Não sabe como alguém pode gostar daquilo, mas naquele momento, parece ser o que precisa.

- É, realmente merecia um prêmio... Fiquei mais de doze horas na fila do hospital público, e o filadaputa do médico, sem me examinar, me mandou para casa, dizendo que não era caso de emergência...

- Você tava com o dedão do pé quebrado, não era?

- Tava. Quebrei, quando a privada caiu em cima do meu pé. Eu tava tentando desentupir, tive que tirar o vaso do lugar e foi merda pra tudo quanto era lado, eu escorreguei e privada caiu em cima do meu pé...

A mulher suspira, enquanto apaga o cigarro.

- Grande episódio, grande episódio... Um dos melhores...
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Texto republicado em virtude da novidade boa, em breve esse texto virará um curta! Aos poucos conto tudo sobre a novidade por aqui.

11 comentários:

Anônimo disse...

KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK

Amiga Pati....me mijei de tanto rir! hahahahaha

Realmente! Quase sempre acontecem coisas na nossa vida, no nosso cotidiano, que a gente tem a nítida impressão de fazer parte de algum conto humorístico!

Formidável!

Bjs

Lily Luz disse...

Só digo que vc é o máximo!!!!
Adorei!
E tava mais do que na hora das pessoas (re)conhecerem seu talento. E vou poder me gabar dizendo que sou amiga da escritora...aff, como sou metida!!!
Quero saber mais dessa novidade.

Beijos!

Isabella Verdolin disse...

ótimo texto! mal posso esperar pra ver na tela! já estou delirando os atores, hehehe...

L&L-Arte de pensar e expressar disse...

texto muito bacana adorei, quando der visite meu cantinho http://palavrasarteblablabla.blogspot.com

Fernanda Reali disse...

Me divirto com esses textos! Os dos contos de fada enlouquecidos também.

Sobre as pimentas, um dia fareia geléia para tu experimentares, fica bem suave.
bjs

Unknown disse...

Ahhhhhhh Paty,

Está vendo porque sou sua fã?? Que texto maravilhoso hahahahaha
Eu lia imaginando que o Claudionor devia ter visto muito o "Show de Truman" rsrs

Muito bom e parabéns pelo sucesso! Você é uma grande escritora!

Beijos

Adriana disse...

ahahahaha, quase caí pra trás de tanto rir. o marido aqui do lado tá achando que eu sou retardada ahahahahahaha

Tô te seguindo pra ver as novidades.

Também tenho um bloguinho de coisas de casa ,decoração, família, etc. Seria uma honra a sua visita e sua participação.

beijo
Dri
http://coisasqueeuamoetc.blogspot.com/

Patrícia Lerbarch disse...

Vale mesmo persistir pela vida, pq uma hora ela sorri pra gente. Parabéns, vá em frente q vc tem muito talento.

Bjos

Mauro Castro disse...

O curta deve ficar legal.
Há braços!!

Simone Miletic disse...

Moça, foi tageada lá no smiletic.com

Matheus Farizatto disse...

Por enquanto, BRILHANTE!

Quero saber logo o que vai rolar nesse "Show de Truman" melhorado, pelo jeito hehe.

Vc manda muito bem!